Sunday, March 13, 2011

A história de amor de Romeu e Julieta - Ariano Suassuna

A História do Amor de Romeu e Julieta

Imitação Brasileira de Matteo Bandello

ARIANO SUASSUNA

Personas dramáticas:

Antero Savedra, 1º Coro
Quaderna, 2º Coro
O Duque Capuleto
O Conde Montéquio
Romeu, menino
Três carrascos
Romeu, adulto
Mercúcio
Músicos, bailarinos e bailarinas
Julieta
Teobaldo
O Padre
A Criada
Figurantes

Verona - a cidade do Recife
Mântua - a cidade de Olinda


A ação decorre em Verona e Mântua, ou seja, no Recife e em Olinda.
Na versão teatral, deve ser instalado um pequeno palco dentro do maior. No menor é que surgirão os bonecos que, conduzidos por atores, repetirão, para Romeu, adulto, a cena que ele viu em criança. Também nele é que acontecerá a noite de núpcias de Romeu e Julieta.
Deve haver também, no palco maior, duas cadeiras, nas quais se sentarão Antero Savedra e Quaderna nos momentos em que o Coro emudece e falam os personagens.


Quaderna:
Vou contar, neste Romance,
a história de Romeu.
A sua curta existência,
e tudo o que padeceu.
Foi a história mais tocante
que a minha Pena escreveu.

É uma história conhecida
em quase toda Nação.
No Teatro e no Cinema,
tem causado sensação,
deixando amargas lembranças
no mais brutal coração.

O que sofreu Julieta,
quem, como eu, já tem lido,
todo o seu padecimento
como foi acontecido,
depois de seis, sete anos,
inda não está esquecido.

Verona, antiga cidade
da Província italiana,
foi berço dos Capuletos,
aquela raça tirana,
inimiga dos Montéquios,
família honesta e humana.

O Duque de Capuleto,
que tinha grande poder,
queria, ao Conde Montéquio,
aniquilar e vencer.
Os dois viviam sonhando
ver um ao outro morrer.

Ali, tudo era desgosto,
intriga e rivalidade.
Um dia, corre a notícia
que assombrou toda a cidade,
notícia que era o começo
da grande fatalidade.

Romeu tinha quatro anos
quando veio um pelotão,
mandado por Capuleto
por uma cruel traição.
Nesse dia foi Montéquio
trancado numa Prisão.

Ficou o Conde Montéquio
naquela Prisão sombria.
Ali, ele ignorava
se era de-noite ou de-dia.
Era preso e acorrentado:
nem se mexer não podia!


Montéquio:
Aqui estou acorrentado,
sem socorro de ninguém.
Aqui estou aprisionado,
sem saber como e por quem!
E, ah meu Deus, minha mulher
vem ali, presa também!

Que dor no meu coração
ao ver minha Esposa amada,
trazida por três Carrascos,
um de-lança, dois de-espada!
E ela com Romeu nos braços,
triste, só e abandonada!


Condessa:
Eu te abraço, meu Marido,
minhas queixas relatando!
Vê nosso filho Romeu
que, inocente, está chorando!


Capuleto:
Aqui é chegada a hora
de na Prisão ir entrando!

Montéquio, agora me pagas,
hoje eu hei de me vingar!
Um dia, jurei vingança
e agora vou te mostrar
o furor da minha ira
a que ponto vai chegar!

Estás aí, prisioneiro,
pra mim não tens cotação.
Vou decidir tua sorte,
tenha ou não tenha razão!
A vida de tua Esposa
está aqui, na minha mão!

Tua querida Mulher
vai morrer, para teu mal!
Talvez ela nem mereça
este golpe tão fatal.
Vai morrer em tua vista,
cravada por meu Punhal!


Montéquio:
Eu te digo, Capuleto:
tu roubaste o meu direito!
Prendeste-me à traição,
és um Duque sem conceito!
Mata-me a mim! Que ela viva,
e eu morrerei satisfeito!


Capuleto:
Montéquio, eu vou matá-la,
não adianta chorar!
Te odeio profundamente,
mas vivo vou te deixar,
para que a morte dela
tu sempre possas lembrar.


Condessa:
Ah, meu Deus, que sina triste!
Me sinto desfalecida!
Olho aqui para meu filho,
por ele choro, sentida,
pois vejo que não me resta
nem meia hora de vida!


Capuleto cochicha ao ouvido de um dos carrascos, o qual arranca Romeu dos braços da mãe.

Capuleto:
A teus pedidos, Montéquio,
meu sangue não atendeu!
Já ordenei ao Carrasco,
que logo me obedeceu!
Dos braços de sua Mãe
foi arrancado Romeu!

O Pai dele está aí,
infeliz e acorrentado!
Tu, Mulher, vem para cá,
aqui, pr'este outro lado,
que é pra teu Marido ver
como, em ti, serei vingado!

Eu já tirei meu Punhal,
que à cintura carregava.
Já cravo no peito dela
-era o que sempre jurava!-
e o Punhal já vai rangindo,
enquanto o sangue golfava!


Condessa:
Senhor Duque Capuleto,
seu coração é perverso!
Tenha dó do meu filhinho,
que ainda dorme de-berço!


Capuleto:
Não! Vou calcar o Punhal
para entrar até o terço!


Condessa:
Com a dor da punhalada
meu corpo se estremeceu!
Adeus, meu querido Esposo,
cuida do nosso Romeu!
Diz a Romeu que a Mãe dele,
sendo inocente, morreu!


Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".

Capuleto:
Já está morta a Condessa,
prostrada na Laje fria!
Vou arrancar o Punhal,
onde o sangue já esfria.
E mostro ao Marido dela
que foi como eu garantia!

Então, querido Montéquio,
já conheces quem sou eu?
Guarda o Punhal para ti:
agora o Punhal é teu!
Quando teu filho crescer,
dá de presente a Romeu!

O corpo, aqui, da Condessa,
não o deixo sepultar!
Vocês, Carrascos, o levem
pela rua, a se arrastar!
Depois, coloquem num saco
e joguem dentro do Mar!


Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".


Quaderna:
Aí, tendo praticado
tamanha barbaridade,
Capuleto foi pra casa.
Quando chegou à cidade,
deu ordem pra que Montéquio
fosse posto em liberdade.

Montéquio, desesperado,
saiu daquela Prisão,
dando uma mão para o filho,
com o Punhal na outra mão.
Foi chorar a sua sorte,
sozinho, na solidão.

-Dezesseis anos passaram!-

Romeu via sempre o Pai
muito triste, a suspirar.
O filho, no seu segredo
não podia penetrar.
Como o Pai nunca se abria,
Romeu não quis perguntar.

Quando o conde achou que o filho
era capaz de razão,
e, pr'a vingança, podia
tomar uma decisão,
chamou-o secretamente,
fez-lhe a comunicação.


Com os músicos tocando a primeira estrofe do "Romance de Minervina", abre-se a cortina do palco menor. O ator que faz Montéquio retira-se com Romeu para junto de Antero Savedra e Quaderna, e os quatro passam a formar uma espécie de pequeno público para a representação dos bonecos. A critério do encenador, a cena que se segue pode ser muda, caso em que os bonecos atuarão ao som da música, que continua.

Montéquio-boneco:
Aqui estou acorrentado,
sem socorro de ninguém.
Aqui estou aprisionado,
sem saber como e por quem!
E, ah meu Deus, minha Mulher
vem ali, presa também!

Que dor no meu coração
ao ver minha Esposa amada,
trazida por três Carrascos,
um de-lança, dois de-espada!
Ela com Romeu nos braços,
triste, só e abandonada!


Condessa-boneca:
Eu te abraço, meu Marido,
minhas queixas relatando!
Vê nosso filho Romeu
que, inocente, está chorando!


Capuleto-boneco:

Aqui é chegada a hora
de na Prisão ir entrando!

Montéquio, agora me pagas,
hoje eu hei de me vingar!
Um dia, jurei vingança,
e agora vou te mostrar
o furor da minha ira
a que ponto vai chegar!

Estás aí, prisioneiro,
pra mim não tens cotação.
Vou decidir tua sorte,
tenha ou não tenha razão!
A vida de tua Esposa
está aqui, na minha mão!

Tua querida Mulher
vai morrer, para teu mal!
Talvez ela nem mereça
este golpe tão fatal.
Vai morrer em tua vista,
cravada por meu Punhal!


Montéquio-boneco:
Eu te digo, Capuleto:
tu roubaste o meu direito!
Prendeste-me à traição,
és um Duque sem conceito!
Mata-me a mim! Que ela viva,
e eu morrerei satisfeito!


Capuleto-boneco:
Montéquio, eu vou matá-la,
não adianta chorar!
Te odeio profundamente,
mas vivo vou te deixar,
para que a morte dela
tu sempre possas lembrar.


Condessa-boneca:
Ah, meu Deus, que sina triste!
Me sinto desfalecida:
Olho aqui para meu filho,
por ele choro, sentida,
pois vejo que não me resta
nem meia hora de vida.


Aqui, os bonecos repetem a cena de Capuleto cochichando ao ouvido de um dos carrascos.

Capuleto-boneco:
A teus pedidos, Montéquio,
meu sangue não atendeu!
Já ordenei ao Carrasco,
que logo me obedeceu!
Dos braços de sua Mãe
foi arrancado Romeu!

O Pai dele está aí,
infeliz e acorrentado!
Tu, Mulher, vem para cá,
aqui, pr'este outro lado,
que é pra teu Marido ver
como, em ti, serei vingado!

Eu já tirei meu Punhal,
que à cintura carregava.
Já cravo no peito dela
-era o que sempre jurava!-
e o Punhal já vai rangindo,
enquanto o sangue golfava!


Condessa-boneca:
Senhor Duque Capuleto,
seu coração é perverso!
Tenha dó do meu filhinho,
que ainda dorme de-berço!


Capuleto-boneco:
Não! Vou calcar o Punhal
para entrar até o terço!


Condessa-boneca:
Com a dor da punhalada,
meu corpo se estremeceu!
Adeus, meu querido Esposo,
cuida do nosso Romeu!
Diz a Romeu que a Mãe dele,
sendo inocente, morreu!


Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".

Capuleto-boneco:
Já está morta a Condessa,
prostrada na Laje fria!
Vou arrancar o Punhal,
onde o sangue já esfria.
E mostro ao Marido dela
que foi como eu garantia!

Então, querido Montéquio,
já conheces quem sou eu?
Guarda o Punhal para ti:
agora o Punhal é teu!
Quando teu filho crescer,
dá, de-presente, a Romeu!

O corpo, aqui, da Condessa,
não o deixo sepultar!
Vocês, Carrascos, o levem
pela rua a se arrastar!
Depois, coloquem num saco
e joguem dentro do Mar!


Os músicos tocam a primeira frase e a primeira estrofe do "Romance de Minervina". Fecha-se a cortina do palco menor e Montéquio-ator continua a narração para o Romeu-ator.

Montéquio:
Romeu, foi este o Punhal
que a tua Mãe matou!
Faz hoje dezesseis anos
que tua Mãe expirou,
morta por este Punhal
que o próprio Duque cravou!

Ouve, meu filho, o que digo,
presta-me toda atenção!
O Duque de Capuleto
tem a nossa maldição,
pois tua Mãe, minha Esposa,
matou sem ter compaixão!

O Duque de Capuleto,
por meio de covardia,
mandou prender-me à traição,
pois eu de nada sabia!
Brutalmente me trancou
numa cruel Enxovia!

Depois, matou tua Mãe,
fez esta barbaridade!
Só então foi para casa,
e, ao chegar à cidade,
deu ordem para que eu fosse
colocado em liberdade.

Meu filho, foi quase morto
que eu saí da Prisão!
Uma mão eu dava a ti,
com o Punhal na outra mão!
Vim sofrer a dura sorte,
aqui nesta solidão!

Hoje inda choro, Romeu,
a nossa infelicidade!
Tenho te dado instrução
só por força de vontade!
Desde aquele dia vivo
fora da sociedade!

Isto que te digo agora
guardei na minha lembrança.
Passaram dezesseis anos,
eras ainda criança!
Meu filho, o tempo é chegado:
exijo nossa vingança!

É preciso que tu vingues
a tua Mãe malfadada!
Meu filho, toma o Punhal:
ela tem de ser vingada!

Parte, Romeu, sem demora!
Sai da sombra! Parte, vai!
Mata o Duque! Só assim
a minha dor se retrai!
Mata o duque! É o que te pede
o coração de teu Pai!


Romeu:
Eu recebo este Punhal
que o meu sangue derramou!
Beijando a Cruz de seu cabo,
juro o que meu Pai jurou!
Mato o Duque com o Punhal
que a minha Mãe me roubou!


Montéquio:
Recebo teu juramento
com muita satisfação,
pois vais cumprir a vingança
que te dei como missão!


Romeu:
Sim, eu juro a meu bom Pai
que vingo a sua Paixão!


Quaderna:
No outro dia, Romeu,
com um amigo dedicado,
viajou para Verona
e o castelo do Ducado.
Dizia para o amigo
que o Pai seria vingado.

Este amigo, de quem falo,
e que ia com Romeu,
junto a ele se criara,
junto com ele cresceu.
Eram como dois irmãos:
Mercúcio era o nome seu.

No dia em que os dois chegaram
lá nas terras do Ducado,
o aniversário da filha
do Duque era celebrado.
O Castelo estava em festa,
ricamente embandeirado.

Romeu saltou do cavalo
e combinou com o amigo.
Entraram lá, disfarçados,
naquele Castelo antigo,
pois ambos eram valentes,
não fugiam do perigo.

Os que estavam na festa,
tinham ido mascarados.
Assim fizeram os dois:
entraram fantasiados,
ambos de Castelo adentro,
em capotes, embuçados.

Dentro, tudo era alegria,
muitos rapazes dançavam.
Algumas moças, sentadas,
com seus noivos conversavam.
Tocavam alguns dos Músicos,
outros, alegres, cantavam.


Os atores e bailarinos dançam ao som de "Bernal Francês", que pode ser tocado com a música do "Romance da Bela Infanta", pois ela permite variação de ritmo.

Romance de Bernal Francês:

- Quem bate na minha porta?
Quem bate? Quem está aí?
É Dom Bernal Francês,
sua porta mande abrir!


- No deitar da minha Cama,
eu rompi o meu Frandil.
No descer da minha Escada,
me caiu o meu Chapim.
No abrir da minha Porta,
apagou-se o meu Candil.

Eu te pego pela mão,
te levo no meu Jardim,
te faço Cama de rosas,
travesseiro de Jasmim.
Te lavo em água-de-cheiro,
te deito em cima de mim.


- Deixem que volte de novo,
com minha Capa a cair.
Quero ver se a minha Dama
ainda lembra de mim!


- Tua Dama, Cavaleiro,
está morta, que eu já vi.
Os sinais que ela levava
vou dizer agora aqui.
Os sinos que lhe tocaram
por minha mão os tangi.
O Caixão em que a enterraram
era de ouro e marfim.


Palavras não eram ditas,
morre Bernal, no Jardim.
Esta foi a sua história,
foi este o seu triste fim.


Quaderna:
A filha de Capuleto,
a formosa Julieta,
dançava com um rapaz
que vestia roupa preta.
Tinha ao seio, por enfeite,
um cacho de violetas.


Romeu:
Meu Deus, estou encantado
com toda aquela beleza!
Aquela Moça parece
uma Fada, uma Princesa!
Mercúcio, quem é aquela?
Quem é aquela lindeza?


Mercúcio:
É filha de Capuleto!
O leque que ela trazia
caiu de sua bela mão,
quando, há pouco, se movia!


Romeu:
Eu vou lá! Vou apanhá-lo!
(Entregando o leque:)

O leque lhe pertencia?


Julieta:
Sim, o leque me pertence!
Muito obrigada, Senhor!
Em paga da gentileza
queira aceitar esta flor:
receba esta Violeta
em troca do seu favor!


Romeu:
Eu beijo esta doce Flor
de perfume delicado!
Vou guardá-la junto ao peito,
com todo amor e cuidado,
como se fosse uma Jóia
que aqui eu tivesse achado.

Eu não penso mais na jura
que fiz a meu velho Pai!
Pois o Amor é água pura
que em nossas almas cai,
e o desejo de vingança
na sede do Amor se esvai!

Deixe a dança, Julieta,
finja que vai passear.
Guardo comigo um segredo
que a você vou revelar.
Vá lá para a outra Sala:
me espere, que chego lá!


Julieta:
Sinto que empalideci,
que estou da cor de um Jasmim!
Para a outra Sala, não:
é melhor lá no Jardim!
Lá tu podes me dizer
o que desejas de mim!

Há pouco, quando falavas,
o meu peito estremecia!
Como te chamas?

Romeu:
Romeu!


Julieta:
Pois, Romeu, não sei se vias
que vieste me salvar
da tristeza em que eu vivia!
Que é que tens pra me dizer?


Romeu:
Escuta, linda Criança!
Eu vim tomar de teu Pai
a mais dura das vinganças.
Mas o Punhal com que eu vinha
deponho ante as tuas tranças!

Diante de tal beleza,
sinto meu peito chagado!
Por teus olhos verde-azuis,
eu fiquei enfeitiçado.
Eu estou louco de amor!
Estou cego, apaixonado!

Teu Pai matou minha Mãe,
quando eu era menino.
Jurei vingar essa morte,
porém decreta o Destino
que tudo seja esquecido,
ante teu rosto divino!

Serei perjuro! Jamais
a meu Pai eu voltarei!
A teus pés, divina imagem,
o teu Escravo serei!
Juro que junto de ti
viverei e morrerei!

Pois bem, Julieta: agora
eu quero este Amor selar!
Quero em tua linda boca
um beijo depositar!


Julieta:
O que é isto? Sem pudor,
eu já me deixo beijar?


Romeu:
Existe, só, um remédio
pra aliviar o pudor:
é repetirmos o beijo,
agora com mais calor!


Julieta:
Meu Deus, eu me sinto tonta!
Foi a dança ou é o Amor?


Romeu:

Julieta, quem é este
que sai ali, de um recanto,
pior que um Tigre feroz,
cheio de raiva e de espanto?


Julieta:
É o Marquês Teobaldo,
meu primo! Te odeia tanto!


Teobaldo:
Romeu, que fazes aqui?
Responde-me, miserável!
Que vieste procurar?
Teu sangue é sangue execrável!
Sai daqui, senão a morte
é teu fim inevitável!

Julieta, vai também,
senão serás arrastada!


Julieta:
Não, Romeu, não lhe respondas!
Meu primo, guarda a Espada!


Teobaldo:
Não desobedecerás
à minha ordem, já dada!


Romeu:
Teobaldo, Teobaldo!
Não toques nem sua mão!
Se tu deres mais um passo,
cairás morto no chão!
Pois minha Espada certeira
cortará teu Coração!


Os dois lutam.

Julieta:
Meu Deus! Romeu e Teobaldo
cruzam já suas Espadas!
Já sinto que vou cair
sobre o solo desmaiada!


Cai, Romeu mata Teobaldo. Julieta recobra os sentidos.

Meu Deus, o que se passou?
A luta está terminada!

Teobaldo já caiu,
por um golpe traspassado!
O pano de sua roupa
já está de sangue molhado!
E Romeu, de pé, contempla
o seu ferro ensanguentado!

Já lá chega, do Castelo,
o pessoal que dançava!


Capuleto:
O que foi que houve aqui?
Quem foi que tais gritos dava?
O quê? Teobaldo morto?
Meu sobrinho que eu amava?

Prendam já este assassino
e levem para a Prisão!
Vai ser condenado à morte,
sem demora e sem perdão!
Quem derramou o meu sangue
não merece compaixão!


Os músicos tocam "A Rosa Roseira".

Quaderna:
Fazia, já, sete dias
que Romeu fora detido,
quando, uma noite, ele ouviu
na Prisão grande ruído,
e apareceu Julieta,
envolta em branco vestido.


Julieta
Romeu, Romeu de minh'alma,
quanto sofri tua ausência!
Debalde pedi, por ti,
a meu Pai sua clemência!
Eu vim te tirar daqui,
desta cruel penitência!

Falei com um velho Padre,
a quem contei, lealmente,
que tinha por ti, Romeu,
uma paixão louca, ardente!
O Padre me prometeu
casar-nos secretamente!

Vem! Eu subornei os guardas:
Não há ninguém nos seguindo!
Já soou a meia-noite,
os meus Pais estão dormindo!
Não tenhas medo da Noite,
pois o Luar está lindo!


Romeu:
Meu Deus, que felicidade!
É a minha noiva-amante!


Julieta:
Vamos lá para a Capela,
chegamos lá num instante:
Lá, o Padre nos espera,
com o Coroinha-ajudante!


Enquanto os dois se casam, na presença do padre, os músicos tocam "Bernal Francês", a música da festa.

Quaderna:
Assim, Romeu, na Capela,
com Julieta casou!
Debaixo dos pés de Cristo
foi que ele se ajoelhou
e, diante de Deus, por ela,
amor eterno jurou!


O Padre:
Romeu, vou dar-lhe um conselho
é melhor você partir.
Você deve ir para Mântua,
lá, um tempo, residir.
Prometa à sua Mulher
ir dela se despedir.

Ela sai, vai esperá-lo,
fiel, em sua janela.
Você, daqui a momentos,
vai lá, para estar com ela.
Suba o muro do Castelo
e vá para o quarto dela.


Julieta:
Romeu, vou em tua frente,
para no Castelo esperar-te.
Por enquanto, aqui tu ficas,
para o Padre aconselhar-te,
pois o Padre é nosso amigo:
o que pretende é salvar-te!


Sai.

O Padre:
Muito bem, Romeu, meu filho!
Você agiu bem, Romeu!
Mas agora é necessário
cuidar do futuro seu.
Você não diga a ninguém
que quem os casou fui eu!

Hoje mesmo, antes que o Sol
tenha chegado a sair,
você deve ir para Mântua:
Julieta fica aqui.
Se o ambiente melhorar,
eu mandarei prevenir.

Na sua ausência, eu prometo
por Julieta velar.
O ódio de Capuleto
procurarei abrandar.
Se conseguir, a notícia
logo mando lhe levar.


Romeu:
Beijo-lhe a mão, meu bom Padre,
mas minh'alma está ferida!
Vou procurar Julieta,
vou procurar minha vida!
Sei que me arrisco, mas vou
celebrar a despedida!


Quaderna:
Ao chegar lá no Castelo
Romeu achou sua amada.
Julieta o esperava,
na varanda debruçada.
Romeu parecia ter
a alma toda exaltada!


Julieta:
Quem bate na minha Porta?
Quem bate? Quem está aí?


Romeu:
Ah, minha amada, é Romeu!
sua Porta venha abrir!


Abre-se a cortina do palco menor, onde se vê uma cama. Fala Julieta, enquanto se encaminha para lá, com Romeu.

Julieta:
No deitar da minha Cama,
se rompeu o meu Frandil.
No descer da minha Escada,
me caiu o meu Chapim.
Eu te pego pela mão,
tu entras no meu Jardim.
Te faço Cama de rosas,
travesseiro de Jasmim.
Te lavo em água-de-cheiro,
te deito em cima de mim.


Os dois entram e fecham a cortina.


Quaderna:
O que se passou ali
-digo ao público-auditor-
é impossível descrever,
tal foi a cena-de-amor!
Imagine quem já tenha
vivido um igual ardor.

Mas, pra falar do que houve,
uso um verso conhecido,
que não é da minha lavra,
pois caiu num outro ouvido.
Ele dá pálida idéia
do que ali foi sucedido.


Novamente a critério do encenador, a cena seguinte pode ser representada pelo ator que faz Romeu ou por dois bonecos que representem o casal. Romeu (ou o casal de bonecos) aparece por cima do travessão que sustém a cortina.

Romeu:
"Eu tirei minha Gravata,
ela tirou o Vestido.
Eu, o cinto, com Revólver,
ela seus quatro Corpinhos.
As anáguas engomadas
soavam nos meus ouvidos
como um tecido de seda
por vinte facas rompido.
Eu toquei seus belos peitos
que estavam adormecidos,
e eles se ergueram, de súbito,
como ramos de jacinto.
Naquela noite eu passei
pelo melhor dos caminhos,
montado em Potrinha branca,
mas sem Sela e sem estribos.
Suas coxas me escapavam,
como Peixes surpreendidos,
metade cheias de fogo,
metade cheias de frio".


Julieta:
"Ele tirou a Gravata,
eu tirei o meu Vestido.
Ele, o cinto, com Revólver,
e eu, meus quatro Corpinhos.
As anáguas engomadas
soavam nos meus ouvidos
como um tecido de seda
por vinte facas rompido.
Ele tocou nos meus Seios,
que estavam adormecidos,
e eles se ergueram de súbito,
como ramos de jacinto.
Naquela noite, corri
pelo melhor dos caminhos,
montada por um Ginete,
mas sem Sela e sem estribos.
Minhas coxas lhe escapavam,
como Peixes surpreendidos,
metade cheias de fogo,
metade cheias de frio".


Quaderna:
Então, que imagine o público
esta cena de noivado.
O tempo em que estiveram
aqueles dois abraçados.
Quantos beijos, quantos toques,
quantos êxtases trocados!

O Dia já vinha entrando
pela brecha da Alvorada.
Eles, coitados, pensavam
que inda era a Madrugada,
e Romeu, feliz, beijava
o corpo de sua Amada.

Quando, porém, conheceram
que o dia estava a chegar,
Romeu disse a Julieta:


Romeu:
Eu inda estava a sonhar!
Adeus! Nesta hora triste,
eu parto, vou te deixar!

Vamos viver separados,
pois o Destino assim quis.
Eu peço a Deus que te faça,
no mundo, muito feliz.
Eu partirei para o exílio:
cumpro uma Sorte infeliz!

Se algum dia tu souberes
que eu, longe de ti, morri,
murmura a Deus uma prece
por quem tanto amou a ti.
Derrama por mim teu pranto,
que eu, por ti, muito sofri.

Quanto a mim, também te juro
que, se morreres primeiro,
sobre o teu leito de morte
eu virei, triste romeiro,
dar, abraçado contigo,
meu suspiro derradeiro.

Eu estou sentindo um triste
pressentimento de Morte.
Minh'alma, como uma Nau
que está perdida e sem norte,
vagueia num Mar imenso,
entregue a terrível sorte.

Como vai ser triste e duro
o tempo que vou passar
longe de ti, Julieta,
da bênção do teu olhar!
Adeus, enfim: vou seguir!
Adeus: eu vou te deixar!

Adeus, Verona, onde deixo
meu Sonho, minha ilusão!
Adeus casas, ruas, praças,
e aves de arribação.
Adeus, Julieta! Eu parto,
mas fica o meu coração!


Quaderna:
Beijaram-se os dois amantes,
se abraçaram docemente.
Juraram que haveriam
de se amar eternamente.
E afinal se separaram,
chorando o Amor inocente.

Logo após Romeu deixava
a nobre e bela Morada.
Julieta, soluçando,
na Varanda debruçada,
ficou até que Romeu
se sumiu no pó da Estrada.

Daquele dia em diante,
Julieta não mais sorriu.
Sonhando pelo Jardim,
nunca mais ninguém a viu.
Do castelo de seu pai,
pra canto nenhum saiu.

Todos ficaram pasmados,
perante aquela tristeza.
Pensavam que era doença
sua profunda frieza.
Só à imagem de Romeu
é que se mantinha presa.

Um dia, seu pai chamou-a
até a sua presença:


Capuleto:
Minha filha, escute aqui:
eu quero que te convenças
de que vou dar-te um remédio
pra esta tua doença!

Ontem, veio o Conde Páris
te pedir em casamento.
Por ser um moço de bem,
dei-lhe o meu consentimento.
Vou te apresentar a ele,
dentro de poucos momentos.


Julieta:
Pai, não faça esta desgraça!
Eu não quero me casar!
Eternamente solteira,
quero meus dias findar!
Somente a você, meu Pai
é que na vida hei-de amar!


Capuleto:
Não, minha filha, ouve bem:
tu deves ter um Marido!
Já dei meu consentimento
e o voto será cumprido!
Já tenho o Conde por genro,
e um genro muito querido!

Se não cumpres o mandado
que agora te faço a ti,
podes dizer para o mundo:
"Para meu Pai, eu morri"!
Pois nunca mais deitarei
minha bênção sobre ti!


Julieta:
Paciência! Como Pai,
o senhor faz o que quer!
Mas eu, desse Conde Páris,
nunca serei a Mulher!
Desculpe, querido Pai:
não posso lhe obedecer!


Quaderna:
Capuleto, furioso,
de raiva cerrou os dentes.
Chegou a empurrar ao chão
a pobre filha inocente.
E, todo cheio de cólera,
saiu de lá bruscamente.

Julieta, em desespero,
sua Criada chamou.


Julieta:
Vá me procurar o Padre
que é o meu Confessor.
Diga-lhe que, sem demora,
venha aqui onde eu estou!


Quaderna:
Alguns momentos depois,
quando o Padre ali chegou,
Julieta, para ele,
os seus desgostos contou.
A cena que o Pai fizera,
também toda relatou.

Acabada a narração,
o Padre pega a falar:


Padre:
Ah, filha, você não deve
deixar-se desesperar!
Acho que tenho um remédio
que tudo pode evitar!

Precisa muita coragem
para o que vou lhe propor.
Mas você não tenha medo:
confie em Nosso Senhor!
Escute então o que eu digo,
pois meu plano vou lhe expor.

Eu tenho, há muito, comigo,
um frasco de dormideira.
Se você tomá-la, fica
morta uma semana inteira.
Com ela, é que vou salvá-la!
É assim, desta maneira:

Você bebe a dormideira,
e vão pensar que morreu.
Seu Pai faz o seu enterro:
quem vai celebrar, sou eu!
Acabada a cerimônia,
mando avisar a Romeu.

Ele vem, leva seu corpo
pra Mântua, terra do exílio.
Talvez, depois, o seu Pai
o receba como filho.
Se assim for, vocês dois
vão viver o seu idílio!


Quaderna:

Julieta aceitou tudo
o que o Padre propusera.
À noite, toma o narcótico
como o Confessor dissera.
E, com pouco, no Castelo,
sua Mãe se desespera.

O Pai, também muito triste,
ordenou o Funeral.
Como aquele nunca houve
neste Mundo-terreal:
Julieta teve enterro
como não houve outro igual.

O Povo seguiu o Carro,
pra sepultar na cidade.
Eram mais de mil tocheiros,
dando, a ela, a claridade!
Capuleto, arrependido,
chorava na soledade!

-Foi aí que aconteceu
a maior fatalidade!-

Antes que o padre mandasse
o aviso pra Romeu,
Mercúcio, em Mântua, lhe disse:


Mercúcio:
Ah, meu amigo Romeu!
Dou-lhe a notícia sofrendo,
pois Julieta morreu!
Vim te buscar para a veres,
linda, no túmulo seu!


Quaderna:
Romeu ficou como louco
com a notícia que foi dada!
Comprou então um Veneno,
cingiu ao cinto a Espada
e partiu com o projeto
de morrer junto da Amada.

Selou depressa o cavalo,
e, como um raio, partiu,
em galope cego e doido,
como ninguém nunca viu.
E, a caminho de Verona,
num momento se sumiu!

Quando, lá no Cemitério,
pelo Portão já entrara,
encontrou Páris que ia
levar Rosas que comprara
para perfumar o corpo
da Bela que o desprezara.


Páris gritou a Romeu:

Páris:
Que vens tu fazer aqui?
Não sabes que Capuleto
tem grande ódio por ti?
Retira-te, se não queres
também ficar morto aí!


Romeu:
A resposta que te dou
é tirar a minha Espada
e descarregar, em ti,
tal golpe de cutilada,
que te decepe a cabeça,
na primeira navalhada!


Lutam. Romeu mata Páris.

Quaderna:
Matou, guardou a Espada,
e correu para onde estava
o belo corpo daquela
a quem mais que tudo amava,
e que, naquele momento,
como morta ali se achava.


Romeu (bebendo o veneno):
Este Veneno é quem salva,
de sua morte, a Romeu!
Nada me resta no mundo,
pois Julieta morreu!
No outro vivo, no Reino
a que ela se acolheu!

Meu Amor, vou encontrar-te:
eu não me deixo abater!
Já faz efeito o Veneno,
eu já começo a morrer!
Já estão cegos meus olhos!
Mas, vendo-te, volto a ver!


Morre.


Quaderna:
Nesse instante, Julieta
de seu sono despertou,
e, então, muito espantada,
Romeu ali avistou.
Estava, porém, já morto,
e ela se desesperou.


Julieta:
Romeu! Ah, que dor terrível!
Romeu! Estou como louca!
Com todo este sacrifício
nossa sorte ser tão pouca?
Não é possível! Romeu,
dá um beijo em minha boca!

Acorda, Romeu, acorda!
Faz-me, um que seja, um carinho!
Vamos nós dois, descuidados,
seguir o nosso caminho,
e, longe daqui, bem longe,
fazer, pra nós, outro ninho!


Quaderna:
Ficou assim, muito tempo,
chamando por seu Esposo.
Afinal, viu que ele fora
para o lugar do repouso,
lá, onde um outro sentido
têm Amor, e sonho, e gozo.

Tirou, então, de Romeu,
o seu Punhal afiado.
Enterrou no coração
aquele ferro aguçado,
e caiu, morta, por cima
do corpo do seu Amado.

Aí, algumas pessoas
que foram ao Cemitério
ficaram muito espantadas
com todo aquele mistério:
morto o casal, morto Páris,
na entrada do Presbitério.

Depois, soube-se de tudo,
porque o Padre contou.
Capuleto, muito triste,
um Túmulo preparou,
e os Amantes, abraçados,
dentro dele sepultou.

Somente depois da morte
foi que puderam se unir,
tendo, os dois jovens corpos,
já deixado de existir,
e nada mais, neste mundo,
lhes sendo dado fruir!


Os músicos tocam o "Romance de Minervina. Antero Savedra pronuncia a Segunda-Cadência-de-Moralidade. Encerrada esta, Quaderna retoma a palavra:

Quaderna:
Quem ouviu este Romance
e sabe o que se escreveu,
sabe a Condessa Montéquio
em que condições morreu.
Também conhece a fraqueza
que seu filho cometeu.

Romeu, que era valente
-diz a sua biografia-,
soube, dita por seu Pai,
a dor que este sofria.
Romeu jurou de vingá-lo,
no mesmo ou no outro dia.
Mas logo deixa a promessa
no fundo de uma gaveta.
Bastou ver, num belo seio,
um cacho de violetas.
Mesmo inimiga do Pai,
amou logo a Julieta.

Nas condições em que estava,
não tinha nenhum rodeio:
era vingar-se de tudo,
fingindo como um passeio.
Não tinha que perguntar
se o rosto era belo ou feio.

Mas ele não fez assim:
quando entrou naquela Sala,
viu Julieta dançando,
fez tudo pra conquistá-la.
Inda ela sendo uma Deusa,
ele deveria odiá-la!

Romeu foi falso a seu Pai,
vem daí o seu castigo.
Faltou-lhe tenacidade:
não percebeu o perigo
de se casar com a filha
de seu pior inimigo!

Foi este o maior motivo
de sua infelicidade.
Romeu traiu a família,
faltou-lhe com a lealdade.
Onde existe um ódio antigo
não pode haver amizade.

Os Amantes de Verona
tiveram fim desgraçado,
embora tenham morrido
um com a outra abraçado.
Julieta apunhalou-se,
Romeu foi-se, envenenado.


-De modo que o espetáculo acaba com a última estrofe do folheto sertanejo que lhe deu origem:-

Antero Savedra e Quaderna:
Quem odeia a traição
tem que dizer como eu:
como o rapaz não vingou-se
de tudo o que o Pai sofreu,
escrevi, mas não gostei,
dessa história de Romeu.


Recife, 21 de fevereiro de 1996. Dia do centenário de nascimento de Dona Rita Villar Suassuna.


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Romance de Minervina


Ó de casa! Ó de fora!
Minervina, o que me guardou?
Eu não te guardei foi nada,
nosso amor já se acabou


Minervina, tu te lembras
daquela tarde de sol
Em que tu caíste em meus braços
Molhadinha de suor


Minervina, tu te lembras
daquela tarde de chuva
Em que tu caíste em meus braços
Desmaiada, cor da uva


Na algibeira do capote
Trago um punhal escondido
Para matar a Minervina
Que não quis casar comigo


Na primeira punhalada
Minervina estremeceu
Na segunda, ela bateu asas
Na terceira, ela morreu


Adeus, adeus minha gente
Eu aqui não posso ficar
Vou correr o mundo afora
Vou morrer, vou me acabar